(fotografia de Wayne Wilson-Wong)

Quando a E-primatur foi pensada, foi-o por contraponto a um estado de situação no mercado da edição. Não apenas nós, editores, conhecemos o nosso meio e sabemos qual a lógica de funcionamento das editoras e grupos editoriais como somos igualmente leitores e compramos livros e temos amigos que são grandes leitores. Esta conjugação permite ao mesmo tempo analisar o interior e o exterior do negócio da edição.

Sim, porque a edição, como qualquer actividade, tem a sua economia. Só um puritanismo inocente e desligado do mundo é que não percebe que para se fazer o livro seguinte, a seguinte peça de teatro, o filme, a música, é preciso que o anterior tenha resultado razoavelmente. A alternativa é não se viver do que se faz na actividade de produção cultural. A outra alternativa é a possibilitada pelo sistema que seguimos utilizando o crowdpublishing.

A natureza do negócio da edição, mais do que qualquer outro factor, define, na maior parte das vezes, que autores entram no cânone (a lista de autores e obras consagrados de uma determinada literatura). Muito mais que a academia, a crítica ou sequer a vontade do leitor (que pode um leitor contra o "Está esgotado"?), é a actividade da edição que define o que entra e sai do cânone. Mesmo num país como o nosso em que a academia nunca se interessou por estabelecer um cânone e deixou uma tal tarefa aos professores que definem os programas dos diversos graus de ensino escolar (ou talvez precisamente por isso) os exemplos são fartos: Bernardo Santareno sai do programa escolar como dramaturgo maior das letras portuguesas para ser substituído por um autor que não desmerece mas não está à altura do cargo laureado contudo pertence ao catálogo de um dos maiores grupos editoriais nacionais. É apenas um exemplo, outros há e muitos como o da autora, uma das maiores do século XX, que sai dos programas escolares porque a editora que a publicava foi comprada e a direcção da nova editora optou apenas por publicar edições de qualidade superior com preços proibitivos para a maior parte das famílias.

A quem quiser perceber como funcionam estas coisas, recomendo vivamente um livro de André Schiffrin, filho de Jacques Schiffrin, o criador da casa editorial e conceito das éditions de la Pléiade. André, criado nos Estados Unidos após a fuga dos seus pais para aquele país, veio a tornar-se um dos maiores editores do seu país de adopção e um dos poucos a pensar de forma séria os modelos e caminhos da edição. André Schiffrin escreveu o já mítico «O negócio dos livros; Como os grandes grupos económicos decidem o que lemos» publicado entre nós pela livraria editora independente Letra Livre.

E que não se pense que este é o típico discurso da teoria da conspiração de David contra Golias. É um retrato da situação da economia das indústrias culturais que vale para a área do livro como para quase qualquer outra. Ontem mesmo, num ensaio apocalíptico, a escritora Fiona O'Connor descrevia a situação actual nas páginas do Irish Times.

André Schiffrin acreditava ter encontrado a solução ideal para a New Press que tinha criado depois de sair de um grande grupo editorial e na qual trabalhou até à sua morte há dois anos. Nós acreditamos ter encontrado a nossa (que, aqui para nós, até é melhor porque está mais próxima do leitor).